domingo, 20 de setembro de 2009

« Superação II »

Fernando Peixoto - Sylvia Cohin


O rio corre por si mesmo,
e as margens em que querem limitar-nos
são elas mesmas limitadas.
Jamais alguém pode aprisionar-nos...

Caminha o rio, inexorável...
Os escolhos contorna com destreza;
Entre margens, serpenteia confortável
como nós, faz o seu curso com firmeza...

Nós temos horizontes bem mais largos,
nós somos a espiral dessa vontade
que parte de nós e vai por aí fora,
escorre como leito vagabundo
para um mar de sonhos que se estende
pela Terra inteira.

Nós somos o desenho no infinito,
do Ontem, do Amanhã e do Agora
vontade que, tão forte, faz-se grito
e o outro alcança sem demora...
Um oceano sorrateiro que invade
essa aridez da realidade.

Nós somos a indómita vontade
que alguém jamais pode algemar,
nós somos essa liberdade
que ninguém pode aprisionar

Nos somos a coragem obstinada,
a nau do navegante que a remar,
vê um farol no vulto de sua amada
e em sua direção, enfrenta o mar

nós somos olhos bem abertos
que jamais alguém pode fechar,
nós somos neurónios bem despertos
que jamais alguém pode calar,
somos seres humanos, seres concretos
com o inegável direito de sonhar.

somos oásis no deserto,
teimosa esperança a verdejar,
somos o sonho mais concreto
que alguém jamais pôde imaginar,
e a ninguém é dado usar o veto
a esta liberdade basilar.

Nenhuma mágoa é já bastante
p'ra tirar-nos o direito de cantar
porque nós vemos sempre mais distante
do que os outros podem alcançar.

Nem é bastante a tristeza a cercear
os passos que nos levam adiante,
nem há vento que impeça o velejar
da nau desse sonho navegante!

Nosso canto é um grito que se estende,
um apelo, talvez, lançado ao vento...
Mas é superação de quem entende
que a vida é mais do que um momento
e que não se restringe ao sentimento
da mágoa por quem nunca nos entende...

Nosso canto se alastra em movimento,
rumo ao céu que nos acaricia
ora a rir de prazer, ora lamento,
enquanto nós vivemos a magia
de superar o anseio e a utopia,
e «eternizar» enfim, nosso momento...

Nós somos ainda a consciência
lúcida, desperta, irrefreável,
que nos dá, dia-a-dia, a coerência
pra seguirmos um rumo incontornável.

Nós somos, de dois, a pura essência,
o ardor de um querer inexorável
e seiva a sustentar essa existência
no enlace mais íntimo e inviolável!

Nós sabemos o que somos e o que queremos
mesmo quando choramos e sofremos,
mas somos, sobretudo seres humanos
donos de nós mesmos, soberanos!

Fernando Peixoto & Sylvia Cohin
13.01.2005 - 01.02.2005

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