terça-feira, 24 de outubro de 2006

« APENAS ALGUÉM »

Cleide Canton

Jogou a echarpe sobre os ombros nus
num movimento rápido, seguro
e, sem muito esforço,
foi-se para não mais voltar...
Escandalizou a todos
com a segurança de suas decisões,
com a fé inabalável nas suas convicções.
Jogou, sem esperar vencer,
todas as cartas guardadas.
Não blefou.
E o pequeno mundo não compreendeu
o brilho do seu olhar.
Vitoriosa,
mesmo sem precisar lutar,
seus adversários seriam sempre
o tempo e a distância
contra os quais lutou
apenas com a constância.
Levava na bagagem
um coração repleto de certezas,
uma vontade de simplesmente ser,
sorrindo dos tropeços,
desviando-se dos espinhos,
distribuindo carinhos,
arrancando as vendas
que tentavam desviá-la dos seus intentos.
As lágrimas, os desencantamentos
eram desafios a serem vencidos
na solidão de todos os seus momentos.
O tempo desvendou-lhe os mistérios
e a distância ensinou-lhe a andar ligeiro.
Nunca mais encontrou
a porta de entrada
como jamais retrocedeu na jornada.
Despediu-se da vida
num vacilar da madrugada.
Dizem que a viram sorrir
e num elegante gesto
atirar sua echarpe ao nada...

CLEIDE CANTON
São Paulo - Brasil

« ENTREGA »

Emília Possídio

Entrego-me
e não me peças nada.
Fica com o que tens,
é o meu tudo.
Parte-me,
no meu mais profundo,
e entra por inteiro
no meu mundo.

Percorre meus caminhos
garimpa cada entranha.
Sorve-me o pólen
como abelha em flor.
Alimenta-te de mim
úmida de frescor.
Alimenta-te,
farta-te, sim,
do mais puro
e absoluto AMOR.

EMILIA POSSÍDIO
Recife, 31.08.2006

sábado, 14 de outubro de 2006

« NESSE AZUL... »

Sylvia Cohin

Nesse azul onde me banho,
Sereia, musa, menina,
Corpo nú, eu não me acanho
Despida nessa retina...
São olhos que me perturbam
Enxergam tanto de mim...
Águas azuis, não se turvam,
Remanso de amor sem-fim...

Azul do céu que é meu mundo
Onde mergulho sem medos
Mistério de mar profundo
Que abriga os meus segredos...

Nesse olhar azul sereno
Sou ave siando em ti,
Meu paraíso terreno,
No teu azul me perdi...!

SYLVIA COHIN

sexta-feira, 6 de outubro de 2006

« DIVINO AMOR »

- Dueto -
Sylvia Cohin & Fernando Peixoto

Amor é tatuagem que rubrica
nascente que jorra forte e perene,
finge razão mas tudo ou nada explica,
sonhado ou vivido é rito solene...

Amar é sobretudo essa ciência
que não integra nenhum dos manuais
é como equação da existência
ou sonho dividido em radicais

Ramo que brota de tronco adubado,
broto de vida que emoção conduz,
sem nexo, ambíguo, suave, agitado,
gestado na entranha, é parto de luz,

É código indecifrável e complexo
biologia de toques animais
é a certeza de que o próprio nexo
vem dos instintos mais irracionais

Governa sobre todos os sentidos
império dos desejos inconfessos
o amor revela anseios omitidos
divino, santifica todo excesso!

É onírica viagem partilhada
por tangentes que se tocam, tão iguais
que se tornam em curva prolongada
e se fundem em sonhos divinais

SYLVIA COHIN & FERNANDO PEIXOTO

« ARRITMIA »

Sylvia Cohin

Hora lenta, pesada de arrastar
fazendo interminável cada instante,
é fado que carrego expectante
são átimos que insisto em recontar.

Dispara no relógio da emoção
ardendo no meu peito em agonia,
urgência de uma insana arritmia
que sufoca o pulsar do coração.

Na cadência do louco descompasso
a vigília da Espera segue a hora,
viaja no ponteiro passo a passo

E o Querer, em completo desatino,
inclemente trajetória do Agora,
desfalece no colo do Destino.

SYLVIA COHIN