domingo, 30 de abril de 2006

SÓ A NOITE


Só a noite me escuta e acaricia
os cabelos pesados da neblina
que, de súbito, se abate na cidade.
A noite avança e penso em ti
como a única estrela que ilumina
o céu imenso, inteiro, escuro,
pedaço de universo em que procuro
o teu rosto astral de claridade.
Mas em vez do teu rosto, eu só descubro
o canto nocturno destes medos
que se escondem no cofre dos segredos
e se expandem em nuvens de saudade.

Fernando Peixoto

sábado, 29 de abril de 2006

TEU NOME, MEU AMOR

Fernando Peixoto

Teu nome, meu amor, dorme comigo
mesmo até quando penso que te esqueço.
Nele me acolho, amor, quando esmoreço
como se fosse o meu porto de abrigo.

Nele me encontro, amor, a sós contigo,
com ele falo, amor, e me confesso,
nele me vejo a sós e reconheço
teu corpo irmão do meu e meu amigo.

Mas se o teu nome, amor, é a Poesia
( sorriso de sol tímido, escondido
nas veias do poema inacabado),

teu corpo, meu amor, é a Melodia
com que sonha meu corpo adormecido,
sob o céu dos teus olhos embalado.

FERNANDO PEIXOTO

UM DESEJO...

Sylvia Cohin

Que a verdadeira liberdade
rompa todos os grilhões rumo à sua realização!
Que seja o chamamento,
um convite à vida plena consentida pelos Deuses.
Que o curso dos sentimentos seja de tal intensidade
que o minuto valha por uma eternidade
e que a Eternidade esteja em cada minuto.
Que a paixão seja a Razão de Viver e que a razão
seja a melhor amiga da Paixão.
Que sejam convocados todos os sentidos...
Que cada pensamento, ato ou sentimento seja um ritual
de plena e esfuziante satisfação, um hino à ternura,
ao mais completo amor, à felicidade pura...
Que a semente seja regada e adubada.
Vida nova que brota, desabrocha e frutifica.
Que seja dada à vida a oportunidade de escrever em seus muros
a história de um amor que soube ser vivido...
(e que isto seja permitido)
E que tenha o eco que precisa para se consumar plenamente...
Seja este Desejo de simplicidade tal,
que fale a linguagem universal
e conte aos corações todo o amor que ele contém!

SYLVIA COHIN

sábado, 22 de abril de 2006

Canto o Corpo do Meu Povo

Fernando Peixoto

Eu canto os olhos que já viram
o desesperado fogo do poente
eu canto os olhos que sentiram
as lágrimas de toda a minha gente
e os olhos que um dia descobriram
que sorrir é uma forma de ir em frente

Eu canto o peito repartido
por mil pedaços de ambição
eu canto o peito inda dorido
do último estilhaço dum canhão
e o peito rude endurecido
pela seiva que nos sobe deste chão

Eu canto as pernas que temeram
mil vezes o terror de uma gangrena
eu canto as pernas que sofreram
longas caminhadas como pena
e as heróicas pernas que correram
em busca duma pátria mais fraterna
Eu canto as mãos duras calejadas
por mil ferramentas e ofícios
eu canto as mãos rudes e estragadas
por incontáveis sacrifícios
e as mãos unidas as mãos dadas
na corajosa esperança dos comícios

E cantando o corpo canto a vida
recheada de insucessos e de glória
canto um corpo que é vida repartida
por mil pedaços de memória
canto pois a minha gente renascida
erguendo palmo a palmo a sua história

FERNANDO PEIXOTO

SUAVE

SoninhaValle

Suave é amanhecer contigo,
Após noite de amor e de ter feito,
do teu colo, dos teus braços, do teu peito,
minha casa, a morada, meu abrigo...

É suave como brisa de uma praia,
Doce, como canto de passarinhos,
Belo, como folha orvalhada,
Delicado, como flores sem espinhos.

Suave é ter-te sempre perto,
Do amanhecer ao entardecer,
Entre idas e vindas da rotina, mas por certo,
Voltando aos teus braços ao anoitecer...

SONINHA VALLE
São Paulo - Brasil

segunda-feira, 17 de abril de 2006

ANTIQUALHA
Lêda Mello

Leve camada
de pó do passado
reveste um conto,
eivando os sonhos,
assentados, inertes,
nos arquivos do tempo.

"Águas passadas não movem engenho"

**********

FUTURIDADE
Lêda Mello

Olhar em Antares,
presença no agora.
Viver no futuro,
dispêndio de tempo,
antevendo o imprevisto
do que há de ser.

"O futuro a Deus pertence"

**********

PRESENCIAL
Lêda Mello

Não torna o que foi.
Não é o que será.
O instante é fugaz.
Ser e estar
na certeza evidente
do tempo presente.

"Que você viva cada dia da sua vida"

domingo, 16 de abril de 2006

APENAS ALGUÉM

Cleide Canton

Jogou a echarpe sobre os ombros nus
num movimento rápido, seguro
e, sem muito esforço,
foi-se para não mais voltar...
Escandalizou a todos
com a segurança de suas decisões,
com a fé inabalável nas suas convicções.
Jogou, sem esperar vencer,
todas as cartas guardadas.
Não blefou.
E o pequeno mundo não compreendeu
o brilho do seu olhar.
Vitoriosa,
mesmo sem precisar lutar,
seus adversários seriam sempre
o tempo e a distância
contra os quais lutou
apenas com a constância.
Levava na bagagem
um coração repleto de certezas,
uma vontade de simplesmente ser,
sorrindo dos tropeços,
desviando-se dos espinhos,
distribuindo carinhos,
arrancando as vendas
que tentavam desviá-la dos seus intentos.
As lágrimas, os desencantamentos
eram desafios a serem vencidos
na solidão de todos os seus momentos.
O tempo desvendou-lhe os mistérios
e a distância ensinou-lhe a andar ligeiro.
Nunca mais encontrou
a porta de entrada
como jamais retrocedeu na jornada.
Despediu-se da vida
num vacilar da madrugada.
Dizem que a viram sorrir
e num elegante gesto
atirar sua echarpe ao nada...

CLEIDE CANTON

sábado, 15 de abril de 2006

(Rosa Teixeira Bastos)

Era como ser flor
ou uma pena de ave solta

ele tomava-me nas mãos
e eu subia, pairava
acima do horizonte
para lá das nuvens
que tapam o Sol.

Eu era borboleta e a terra um jardim.

Ele tomava-me nas mãos
e eu subia
muito longe, muito alto...

Depois soltava-me
para me ver cair.

ROSA TEIXEIRA BASTOS

terça-feira, 11 de abril de 2006


Dueto: VEM!!! VOU!!

Sylvia Cohin & Fernando Peixoto

vem, amor, vem correndo...
não deixes que nada te atrase
pois que a madrugada já é quase...
e estou de amor aqui morrendo...
vem pra mim nas asas do vento,
nas ondas desse mar sereno,
traz depressa o teu alento
e o gosto do amor ameno...
vem pra mim, corre depressa...
dá-me do amor a overdose,
vem, e o teu amor confessa
e que no teu, meu corpo goze...
chama baixinho a tua amada,
sussurra teu amor na madrugada !!

Vou, vou no vento do Suão
junto à espuma das ondas
beijar teus pés de branca areia
e juntar minha voz ao cantochão
suave e terno da palmeira.
Vou, partirei daqui
no mesmo instante
em que surge a aragem e a maresia
Eolo soprando em minhas velas
e nadando ao sabor da ventania
iluminado pelo brilho das estrelas.
E quando chegar à tua beira
deposito a espuma do meu beijo
nos teus pés que correm, praia fora,
escondendo de mim essa fogueira
que arde, como eu, num só desejo.
Chegarei ao princípio da manhã
ao porto do teu colo, minha amada.
Então serás Iemanjá
e eu, no teu corpo, madrugada!

SYLVIA COHIN & FERNANDO PEIXOTO
TODA EMOÇÃO

Sylvia Cohin

Um encontro tão fugaz,
doce contato casual,
despertou o instinto audaz,
daquele clima sensual...
Bem gravado na retina
e no bater do coração,
brilhou o olhar em surdina,
vibrou lá dentro a emoção...
Lentamente o amor tecia
um querer, bem passional,
e o outono florescia
temporão, ocasional!
As palavras não ousavam
mais que versos já sabidos...
E no peito consagravam
gozos antes pressentidos...
Secreto e divino encanto
desta explosiva emoção,
todo o êxtase e o encontro
da cúmplice interação!
Selamos Homéreo pacto
nas ágoras a cantar,
onde o povo estupefacto
nem podia acreditar...
Foi mais forte esta energia,
do que a velada intenção,
misto de enlevo e agonia,
de gozo pleno e emoção!
Nossos corpos mapeados
nas palmas de nossas mãos,
as vidas encadeadas
por elos de uma paixão...
Teu sussurro em meus ouvidos
vale mais que o mundo inteiro...
Dou-te os meus ais, querido,
meu suspiro derradeiro...!
Entregues em oferendas
sabemos, ninguém há igual.
Para o Olimpo somos prendas
do mais belo ritual...
Não há nada parecido
nem se consegue entender,
como pôde ter nascido
tanto amor... nele caber!
Falamos por entrelinhas,
basta o nosso pensamento,
quando juntos, tu me aninhas,
te envolvo em meu sentimento...
Não há distância pra nós,
nem tristeza ou despedida,
ouvimos do outro a voz
e a emoção desmedida...
Toma, leva minh´alma!
Dela já és posseiro...!
Dá-me este amor e a calma,
que me invade por inteiro!
Caminhemos, encantados,
num delírio inexplicável,
flutuando, enfeitiçados,
por este amor inefável!

SYLVIA COHIN

terça-feira, 4 de abril de 2006

NÃO, MEU AMOR

"Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne"
David Mourão-Ferreira

Não, meu amor, também és fogo
na forma como incendeias os sentidos.
Não, meu amor, também és raiva
onde espojo meu corpo em suor.
Não, meu amor, também és água
a dessedentar minha língua
seca de silêncio e de vómito.
Não, meu amor. Não és apenas carne,
nem apenas caule, nem apenas fruto,
mas sobretudo a seiva
de que se alimenta a minha ânsia de fuga.
Não, meu amor, também és mulher,
a parte que não existe em mim, homem !
"Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne".
Às vezes é uma viagem
ao interior uterino da criação
ao Imo da Vida !

FERNANDO PEIXOTO

LOUCA, EU ??

Sylvia Cohin

Que me escarneçam...

Danem-se todos, desapareçam !

Abram espaço, afastem-se de mim
deixem-me sozinha
perambular assim...

A quem importa
se trago a esperança morta,
ou se me assusto
com o bater de cada porta...

Confusa, amedrontada,
suja e desgrenhada
choro, grito,
e na defesa agrido!!

Sem noção do que fazer,
nas mãos, a saia levantada,
carne de terceira para ser usada...

- Coitada!!
- Dá aqui um trocadinho?
- Dá!! Só um cigarrinho...
Pitar sentada na beira da calçada...

Pra quem mostrar a dor
n´alma estampada?
Quem diria... quem diria...
p´ra loucura fugiria...
Esconderijo do desencanto,
refúgio do meu pranto!

Quem sou eu,
senão o resto do que se perdeu...
senão a dor que tanto doeu?

Onde alguém que me conheça,
um trapo que meu coração aqueça??

- Fique longe de mim!!!
- Eu sou apenas louca !
- Alguém me entenda!!!

Por favor...
A mão amiga, alguém me estenda!

Não amordacem minha boca
que tem até sentido
o delírio de uma louca!

Sei que não pareço gente,
retalho, trôpega, indigente...
Falo sozinha...
Conto p´ra mim a vida minha...

Divago enquanto a pele
ressecada afago
sentada na beira do caminho.

Debruçada na janela
do meu peito,
espreito...

Ohhh loucura, escuridão
que me tortura e assusta...
ohhhh, perdição!!

Eu só queria o fio da meada...
lucidez entremeada,
perdida,
nos porões dessa demência...

Cansei
desisto
eu não existo...

SYLVIA COHIN

sábado, 1 de abril de 2006

AMOR VIRTUAL

Sylvia Cohin & FernandoPeixoto

instantâneo, fulminante,
dispensa apresentação,
atende o pretenso amante
com eficiente emoção...
TORNA-O PRESA DO INSTANTE
EM QUE SE CRIA A ILUSÃO.

disparado feito raio
vai direto ao coração
montado em cavalo baio
cavalgando a sensação...
SEU AMANTE, COMO UM AIO
SE CURVA EM SUBMISSÃO

é a expressão da verdade
no peito de cada um
que procura a ressonância
fora do lugar comum...
ALIMENTANDO DE AMOR
A IMENSA DOR DO JEJUM.

pode parecer mentira,
pode não acontecer,
a cabeça se desvira
com o que não pode ser...
ENQUANTO O AMOR SUSPIRA
POR UM NOVO AMANHECER...

na maioria das vezes
é a fuga permitida...
não dura mais do que meses
e já se põe de partida!
DURA MESES, DURA DIAS?
DURE O TEMPO QUE DURAR.
QUE A MAIOR DAS ALEGRIAS
É A ALEGRIA DE AMAR!

o amor virtual tem isso
de suprir muitas carências,
livre, sem compromisso...
sem fronteira de aparências...
ENCANTA-SE NO FEITIÇO
DE ESTAR PERTO NAS AUSÊNCIAS.

vale o que se idealiza,
supre a carência do ego
que anseios realiza,
diáfano, sempre cego...
A ILUSÃO MATERIALIZA
SOB A FORMA DE ALTER-EGO

quando fica muito sério
ameaçando estruturas,
mergulha fundo em mistério
ou sobe para as alturas...
DISFARÇA O QUE QUER DIZER
NA TORRENTE DAS IMAGENS,
DISFARÇA A DOR, A SOFRER,
NOS OÁSIS DAS MIRAGENS.

mas nada disso é ruim,
bem vivido o seu encanto,
"bom pra você, bom pra mim "
em diáfano recanto...
só se transforma em desastre
se o rito for invertido.
liberdade não se castre
real não seja querido...
E O VIRTUAL NÃO SE ALASTRE
NUM REAL BEM MAIS SOFRIDO.

não se despreze a exceção,
o sapatinho de cristal...
de um amante o coração,
deixar de ser virtual... afinal !
MESMO NO SONHO, O AMOR
É CANTO CELESTIAL!

SYLVIA COHIN & FERNANDO PEIXOTO
CRIAÇÃO

Um signo


um sonho


um corpo


um terramoto de volúpia


no corpo lexical do verbo


ah


a fome da poesia


no orgasmo do poeta


FERNANDO PEIXOTO
CATIVA-ME

Invade meu coração docemente...
sem que eu perceba, derruba minhas bastilhas
e deixa-me exposta, assim, nua...
despida de todas as defesas,
entregue ao mistério da magia tua...
Desfaz com o toque mais suave
a resistência de meus músculos,
alivia esta pressão em minha nuca
e cobre com teus beijos,
a lassitude que pouco a pouco me domina...
Cativa-me...
Com teus olhos amorosos adentra minh´alma!
percorre meu interior com a calma desse olhar iluminado,
fita-me longamente, em silêncio total...
deixa que eu escute o murmúrio de teu coração...
recebe minha entrega como um ritual
Cativa-me...
Aquieta essa agonia, essa premência,
com tua paz... ensina-me como se faz...
contamina meu coração de serenidade,
e segreda aos meus ouvidos os mais doces versos
de um amor quase divino,
as confissões de um menino,
os desejos do amante, as verdades do amigo,
do irmão, os cochichos tão antigos...
Cativa-me!!
Meus sentimentos com capricho enlaça e cuidadosamente,
sob o manto de tua intimidade
aninha-me nesse laço...
dá-me a confiança há muito roubada
exorcisa a insegurança exagerada...
Cativa-me...!
Perde comigo o tempo necessário e me resgata!
Afugenta meus temores,
liberta-me de falsos amores, acorda-me!
Desperta-me do sono que domina
a mulher e a menina...
acorda em mim a alegria esfuziante
dos insensatos amantes...
enfeita o caminho por onde vou passar
com as flores mais bonitas e coloridas fitas...
Cativa-me!!
Tira-me de dentro de mim!!
ensina-me os passos rumo ao infinito
e nesse torpor bendito,
ao meu lado... mansamente...
colhe o fruto semeado,
depois de me ter cativado!!

SYLVIA COHIN